Vanessa Araujo
1 - O Chamado
— AREL
Os quatro escolhidos estavam diante do
trono de Deus. Os vinte e quatro anciãos o rodeavam, sem cessar seu canto de
louvor. Os sete candelabros representavam as sete igrejas, e os espíritos dos
quatro cavaleiros apocalípticos estavam em esferas de diamante.
— Eis que os herdeiros vivem – a voz do Rei
ribombava naquela sala. O caminho até Ele era como um mar vítreo multicor. –
Foram escolhidos como guardiões dessas criaturas. Caso venham a perecer, que
essas vidas sejam novamente semeadas. Cabe a vós tal tarefa. Entrego a Ilke o
espírito do sacrifício; para Daniel, o da coragem; para Rafael, o da
fidelidade; e à Arel, o espírito da sabedoria da Nova Ordem do Criador.
As esferas de diamantes nos foram
entregues. Eram tão mínimas quanto um grão de mostarda. Elas deveriam viver
dentro de nós. Com as águas vivificantes que corriam direto do trono de Deus,
engolimos tais sementes sagradas. Eram vidas dentro de vidas. Quatro arcanjos
protegendo quatro cavaleiros. E essa era a nossa única missão, gerar a vida dos
guerreiros escolhidos. Foi onde eu quase vacilei...
Apaixonei-me. E esse não foi meu pecado.
Meu erro foi confundir meu coração, foi me enganar pela semelhança. Eu estava
fissurado por uma herdeira da Nova Ordem, e fui tão cego em não enxergar tal
fato que desviei meus caminhos...
*****
Estava apenas
fazendo meu trabalho, cuidando das criaturas mais adoradas pelo meu Criador.
Foi quando a vi. Uma criatura perfeita. Bastou apenas um olhar para desejá-la
com todas as minhas forças. Cabelos como fogo, olhos de um verde puríssimo,
pele alva... E o amor atingiu o meu coração.
Minha amada, minha
querida...
Ela não era humana.
Era a filha de um pecado, uma nephilin. A mais bela dessa espécie! A cópia
perfeita de quem tanto amei.
Perguntei-me quem
seria o genitor de tanta perfeição. Nem o céu foi capaz de abrigar tamanha
beleza.
Aproximei-me dela,
mas a criatura nem reparou na minha presença. Em meio aos amigos, ela sorriu. E
o que eu não daria para que esse sorriso fosse meu? Daria minha vida por esse
pecado.
A ansiedade foi
tanta que cometi uma loucura. Caminhei em direção a ela e nos esbarramos
propositadamente.
— Não olha por onde
anda? – resmungou por entre os dentes.
— Desculpe-me,
nephilin – respondi, apreciando a confusão em seus olhos.
— Como sabe disso?
– perguntou, franzindo as sobrancelhas.
Não havia mais
palavras em minha mente quando nossos olhares se cruzam. Milésimos de segundos
neste mundo era como eternidade para os anjos. E aqueles olhos verdes,
perfeitos e fascinantes, faziam-me tremer. Ela nunca me amaria, contudo, mesmo
assim, eu morreria por essa criatura.
— Esquecerá este
momento, nephilin – sibilei, sem deixar de fitá-la.
Eu ainda habitava a
morada dos anjos, ainda provocava milagres. E esse foi o último. Fiz com que
ela se esquecesse de tudo e voltei a caminhar como se nada tivesse
acontecido...
*****
— É uma falta grave
a que cometeu, arcanjo – alertou o Príncipe da Milícia Celeste, após escutar
minha confissão.
— Não negarei meu
erro, senhor.
— Arrependa-se, meu
irmão, e teu lugar estará garantido aqui.
— Meu coração já
foi tomado de amor por aquela criatura. Sinto muito, senhor – respondi.
— Uma pena, Arel.
Entretanto, não posso permitir que continue a habitar nesta morada santa
enquanto seu coração se rende pela filha de Caleb.
— Não há desculpas
pelo meu erro. Aceito minha punição. Um dia nos encontraremos, irmão.
Despedimos-nos com
um forte aperto de mão. Eu sentiria falta desse lugar, mas a visão que aquela
nephilin me proporcionava era muito maior que qualquer outro prazer.
Havia um lugar onde
ela estaria, um lugar que chamaria por ela um dia, um lugar que eu sempre
visitava em busca dos antigos companheiros expulsos, a Cidade dos Nephilins. E
foi para lá que rumei, sempre com a imagem daquela pequena em minha mente.
— Arel, meu amigo,
é sempre bom te receber no nosso lar – falou Hazanel, assim que me encontrou.
— E o que diria se
eu pedisse um espaço no reino dos excluídos? – inquiri.
Hazanel sorriu,
entendendo o motivo de tudo. Então, respondeu:
— Mesmo sem ser
esta a sua morada, você é o arcanjo que mais treinou nephilins aqui.
— A expulsão de
vocês jamais seria empecilho para a nossa amizade, irmão Hazanel.
— E posso saber o
nome dela? – ele perguntou, adivinhando o motivo da minha expulsão.
— Não sei o nome de
minha amada, Hazanel, mas sei que é prole de nosso irmão Caleb.
— A filha de Caleb?
– Hazanel indagou espantado. – Esse pecado é muito maior que o nosso, Arel. É
proibido! Essas crianças não amam, são como seres sem alma.
— Nada farei para
tê-la comigo, Hazanel. Mas não posso negar o que sinto. Por isso decidi me
esconder aqui.
— Sempre será bem
vindo nesta Cidade, arcanjo.
E a Cidade dos
Nephilins se tornou meu novo lar, enquanto eu aquecia meu coração para
acomodá-la carinhosamente, porque o amor me tomou de tal maneira que já era
impossível não desejá-la.
Eu saía todas as
noites só para ter o vislumbre de seu rosto. Torturei meu coração ao vê-la nos
braços do filho de Ilke. Invejei aquele demônio que podia tocá-la, fitar seus
olhos de perto.
A protegeria de
tudo, morreria por ela. Porém, me manteria longe, respeitando as regras da
vida. Tornei-me um masoquista desvairado, totalmente entorpecido por aquela
nephilin.
A pequena prole de
Caleb não era nenhuma santinha. Vivia aprontando um mundo de peripécias aos que
estavam em seu redor. E o que eu tanto temia aconteceu. Ela cometeu seu erro,
um fato iminente.
A nephilin fugiu
pela noite. Mantive-me em seu encalço, enquanto ela desviava os caminhos,
acreditando que um demônio a perseguia.
— Minha amada, já
matei os demônios que te caçavam – sussurrei, observando-a do alto de um
telhado.
Ela entrou na casa
do meu maior inimigo, o filho de Ilke.
Aguardei, esperei
ansioso para que ela saísse sozinha. E minha espera foi abençoada com meu
pedido. Persis a dispensou.
Ela seguiu para
outro destino, enquanto o filho das trevas a idolatrava.
— É chegada a hora,
meu irmão. Minha filha corre perigo e te agradeço pelo que fez por ela – falou
Caleb, surgindo ao meu lado.
— Mesmo sendo
expulso, minha missão é proteger. Cuide de sua prole, pois retornarei agora
para meu novo lar – respondi, escondendo a verdade daquele que poderia ser meu
sogro.
Deixei-a aos
cuidados do melhor e mais forte arcanjo, Caleb – seu pai. – E fui viver um
sonho imaginário...
Apocalipse - Capítulo 1
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