1 – Odiando
O tempo não passava longe dele, era como
perder a importância de viver, era como não ter forças... E ele disse que
estaria ao meu lado quando eu perdesse minhas esperanças.
“Onde
você está agora? Perdi tudo”.
Deserto inóspito e sem vida, uma longa
caminhada até o verdadeiro destino. Sem ele, nunca chegaria, o tempo não passava.
Nunca me importei com nada, jamais dei o
devido valor aos sentimentos alheios, até que o conheci.
“Por
que me deixou sozinha? Eu te amo”.
Um caminho sombrio... Não o acharia tão
triste se eu não amasse. Tudo era melhor antes, porque nada doía. A traição era
apenas um ódio a mais, e a falsidade era somente um sentimento vil. As
mentiras, os enganos... Tudo era só uma fantasia. Amar era pior.
Carreguei comigo a prova de que um dia fui
feliz. Por um breve momento, senti algo bom dentro de mim. Foi como um sonho.
E, agora, caminhando pela noite gelada do
deserto, tentando encontrar o caminho de um lugar que pensei ser a minha casa,
com o coração partido pelas feridas deixadas para trás e o corpo deformado com
asas grandes que nem imaginava como funcionavam, entendi o quanto estava
errada. Meu único e verdadeiro lar sempre foi o meu próprio coração. E esse lar
estava maculado. Sobrou apenas um turbilhão de destroços. Estilhaços de uma
vida corrompida.
A partida era sempre mais difícil. Ela trazia
lembranças. E meu rosto tomou outra forma. A tristeza partiu. O ódio tomou
conta.
Avistei a cidade.
Já estava nela.
Escalei uma imensa construção gótica, com
os gárgulas - figuras que me lembravam Adramalech -, por companhia.
— O que te aguarda, novo mundo? Esqueceram
que não morri? Esqueceram-se da minha volta?
Sim, eles esqueceram. Transformaram-me em
um nada. Mereciam sofrer. Não estava ali para salvar, essa nunca foi minha intenção.
Eu só queria vingança, e meu mundo era melhor assim, pois eu não sofria, só
odiava.
De volta ao mesmo mundo.
De volta ao cruel lar dos humanos.
E a raça mais desprezada estava mais que
disposta a lhes mostrar seu valor. Uma nephilin transformada em anjo voltava
para atormentar muito mais que seus demônios. Em seus sonhos mais cruéis me
encontrariam. Foram eles que me mostraram o caminho. Nenhum demônio matava seu
irmão. Nenhum demônio jamais me traiu. Quanto aos humanos... Falsidade... Ganharam
tudo o que queriam e, quando não precisaram mais de mim, descartaram a pior da
prole dos anjos.
— Vivam, enquanto podem, nessa doce ilusão
de que tudo está bem. Vivam seus sonhos, pois estão prestes a caírem.
Por onde começar?
Estranhamente eu conhecia o caminho do
inferno.
Cumprir minha promessa, eis o objetivo.
Seguiria o intuito que me levava ao ódio.
— Pare, Lienne.
Virei e o encarei. Um déjà vu.
— Não se cansa de dizer sempre a mesma
frase? – rebati.
— O que pretende fazer?
— Não sei. – Dei de ombros. – Saltar daqui.
Espatifar-me no concreto. Não morrerei mesmo.
— Anjos sentem dor – alertou-me.
— Foi você quem me ensinou que ferir outro
lugar desvia a atenção da dor principal. Meu coração lateja demais. É forte...
e triste.
— Acha que ele não sente o mesmo? Acredite
em mim, querida, sei tanto quanto você o tamanho da dor do amor.
— A dor de perder um grande amor, pai. O
senhor a perdeu para a morte. Eu o perdi para a vida. Como me conformar com o
destino, sabendo que ele existe e jamais poderá me pertencer?
— O ama tanto assim, minha filha?
— Mais que a minha vida, pai...
Anjos choram.
Eu chorei.
— Se o ama, ainda há salvação para você.
Olhe – meu pai apontou para baixo, onde um humano estava sendo covardemente
espancado por outros dois –, é a sua chance. Salve-o.
— Não! – respondi firme.
Os olhos de Caleb faiscavam indignados.
— Como não?
— Se tenho que curar minha dor com outra,
que eu pule por vontade própria, e não para salvá-lo. Ganhei asas, mas não
aprendi a voar.
— Salve-o, Lienne – ordenou Caleb.
— Não!
— O deixará morrer?
— Não foi o que fizeram comigo? Não
desejaram que eu morresse numa fogueira inquisitiva? Eu não me importo com os
humanos. São um monte de nada – resmunguei por entre os dentes.
Meu pai me fitou incrédulo por alguns
segundos. Depois, em um elegante voo, rasando até o concreto, livrou o humano, colocando-o
em lugar seguro.
E o arcanjo voltou para sua cria.
— Já te mostrei como fazer – declarou. – A
decisão é sua. Mas prefiro te ver morta que ao lado de Apollyon.
— Me ver morta, papai? – Levantei as
sobrancelhas em um fingido sobressalto. – Quem não é capaz de amar, os anjos ou
os nephilins?
— Morra, Lienne.
Caleb me empurrou contra a mureta de
segurança daquele telhado, fazendo com que eu me desequilibrasse e caísse de
uma imensa altura.
Olhos fechados. Sentindo a gravidade me
levar ao chão.
Dois membros movimentaram-se.
Nada podia me deter.
Eu voltei... Sorrindo. Eu tinha asas... E podia
voar.
O rosto espantado de Caleb era como um
prêmio a mim.
— Ainda se surpreenderá muito comigo, meu
pai.
— Não pode ser – ele falava assustado, com
a voz embargada.
O sorriso da vitória era sempre o melhor.
— Apenas aceite, pai, apenas aceite...
Como faço para ler o livro todo..
ResponderExcluirConsegui ler o primeiro pela Amazon, mas não acho o segundo...